O merchandising social das novelas globais









A novela, ao contrário do que muitos pensam, não é apenas um meio de entretenimento e lazer, mas é um amplo e vertiginoso canal de comunicação entre a mídia e a população. Mensagens importantes a sociedade são transmitidas através da novela, temas que muitas vezes não são tratados por mídias mais comuns como os telejornais. Uma marca crescente nas novelas têm sido o meio mais eficaz para a reivindicação dos direitos do cidadão comum.

A primeira novela global a desempenhar um importante papel social foi Explode Coração, escrita por Glória Perez em 1995, mas o engajamento da novelista com os fatores sociais começou quando ela ainda era da TV Manchete, onde incluiu o tema Aids na novela Carmen (1986). Pode-se dizer que Glória foi a pioneira em retratar o assunto e produzir o que hoje conhecemos como merchandising social. - Dados históricos mostram que a primeira telenovela a implantar temas polêmicos foi Véu de Noiva, que estreou no final de 1969. É aí que se inicia a quarta fase, em que as novelas "quebram" tabus e mostram situações de violência e homossexualismo. As três fases anteriores foram: A novela ao vivo, como Sua Vida me Pertence, de 1951, na TV Tupi; a telenovela diária, que começou com 2-5499 Ocupado, da Tv Excelsior, que foi ao ar em 1963; a novela com linguagem genuinamente brasileira e que falava da realidade, foi estreada em Antonio Maria, de 1968-69, mas que teve o modelo consolidado em 1969 com Beto Rockfeller.

O mais interessante dessas inserções é que subliminarmente ela gera mobilização social. Em Explode Coração o tema que prevaleceu foi o de crianças desaparecidas. Na trama a personagem Odaísa, vivido por Isadora Ribeiro, era uma mãe que sofria com o desaparecimento do seu filho Gugu (Luis Cláudio Jr). Em sua busca, Odaísa juntou-se às verdadeiras Mães da Cinelândia, no Rio de Janeiro. No capítulo do dia 9 de março de 1996, a novela mostrou a foto de uma criança desaparecida havia dez anos. Seis dias depois, a mãe reencontrou o filho, que havia sido levado pelo próprio pai. Até o seu fim, a novela ajudou a localizar outras 64 crianças desaparecidas na vida real. Na época, por causa da pressão social, até foi criado uma delegacia especial para tratar do assunto. Mas a instituição saiu do ar praticamente com a novela. Mais de 100 crianças desaparecidas foram encontradas ao longo da novela e posteriormente. A novela também tratou de variados temas, como o preconceito de que são vítimas os ciganos, a questão do homossexualismo, o comércio de órgãos humanos e o tráfico de crianças.

Os jovens são alvo de boa parte das campanhas, principalmente porque são os mais ativistas, mesmo que hoje não existam mais jovens como na época das Diretas Já. Tanto que a série Malhação é o programa recordista de inserções. Só em 2002 foram 330. Em destaque, uso da camisinha, drogas, saúde da mulher, gravidez não planejada, alcoolismo, homossexualidade. Em 1999, a personagem Érica, vivida por Samara Filipo, descobre que é portadora do vírus HIV. Um impacto e tanto para o horário das 17h30.

Mulheres Apaixonadas, de Manoel Carlos, tratou do tema dos direitos do idoso e os problemas que eles muitas vezes enfrentam dentro da própria casa. A trama foi realizada com a boa interpretação de Oswaldo Louzada e Carmen Silva, que sofria maus tratos da neta. Por causa deste mesmo assunto uma questão que estava parada no Congresso Nacional foi retomada: o projeto de lei que criava o Estatuto do Idoso. Isso aconteceu graças a mobilização social dos expectadores. Em Mulheres Apaixonadas, além dos idosos, houve outros assuntos importantes e basicamente desconhecidos, como mulheres que sofrem violência em casa. E, através da personagem Heloísa, vivida por Giulia Gam, a novela também trouxe à tona um drama muito comum, as mulheres que amam de forma descontrolada, e a informação de que há tratamento.

Mulheres Apaixonadas é uma das produções mais lembradas quando se fala em merchandising social, e tem esse mérito ao tratar o lesbianismo, o alcoolismo, o câncer de mama, a violência doméstica contra a mulher, a maneira como a sociedade trata os idosos, etc. Várias outras novelas já mostraram aos brasileiros mais simples, o problema das crianças desaparecidas, a clonagem humana, o movimento dos sem-terra, a eutanásia, o hermafroditismo, barrigas de aluguel, transplante de coração, impunidade, crimes do colarinho-branco, prostituição, corrupção na política, gravidez precoce, aids, charlatanismo religioso, reforma agrária, drogas, etc.

A produção anterior de Manoel Carlos já tinha colocado um assunto em “cash”, que foi a leucemia de Camila, interpretado por Carolina Dieckmann, em Laços de Família (2000), que mobilizou milhares de pessoas em todo o país a se tornar doador de medula óssea. Segundo dados do Ministério da Saúde o número de doadores, durante a novela, passou de 20 para 900 inscrições ao mês.

O engajamento em questões sociais não acontece somente por parte de quem assiste, mas também, e principalmente, por quem interpreta. É o caso do ator Pedro Paulo Rangel, que interpretava o garçom Vicente, que não sabia ler nem escrever e foi alfabetizado pela professora Cecília, vivida por Cássia Kiss, e que durante e após Sabor da Paixão ‘adotou’ cinco alunos adultos da campanha nacional “Alfabetização Solidária”.

Ao contrário do jornalismo, que fala com linguagem elitizada e que os brasileiros muitas vezes não se dão conta da mensagem que está sendo transmitida e simplesmente lê, ouve ou assiste, as produções da teledramaturgia agrada aos expectadores, pois consegue prender e torna-los ‘seguidores’ e por isso as mensagens de impacto social, que são transmitidas por elas, tem enorme capacidade de conscientização, mesmo que subliminarmente e faz com que gere um movimento para que o assunto seja discutido pela sociedade real.

P.S.: Eneus Trindade em seu artigo publicado no intercom de 2001, que a telenovela pode também assumir várias funções: O merchandising social pode ser utilizado para educar a população, mas pode ser um instrumento perigoso de manipulação e controle da sociedade. Seu discurso é persuasivo, levando o telespectador a ter uma opinião ou adquirir um comportamento parcial, provocado por interesses que não lhes são próprios. O objetivo da ação de merchandising é estimular o mecanismo empático, identificatório com a realidade reproduzida na telenovela, o que proporciona uma forma de manipulação da opinião pública, pois o público passa a crer e fazer uso dos valores transmitidos pela telenovela, os incorporando no seu dia a dia. A partir destas colocações, constata-se que o merchandising tem implicações em relação ao processo criativo e de produção do autor e éticos como toda forma de comunicação publicitária, que não mede esforços para causar impacto e estimular as vendas.

2 comentários:

Clóvis Venturini disse...

Muito legais essas informações! Irei apresentar um seminário para estrangeiros e escolhi esse tema para mostrar o poder das novelas no Brasil. Parabéns pelo texto.

Luci Hajek disse...

Olá Clóvis, que bom que gostou do texto! Sucesso em sua apresentação! Beijos